Vou compartilhar um pouco com vocês nesse tópico minha experiência em relação ao reaproveitamento de baterias descartadas de notebooks velhos. Ao longo do texto vou expondo algumas fotos para o tópico ficar mais ilustrativo e comentando as dificuldades e riscos dessa prática.
Primeiramente, não recomendo essa prática a ninguém, principalmente por conta dos riscos e frustrações envolvidas, entretanto, considero essa experiência um bom exercício para o aprendizado do funcionamento das baterias e packs para os que estão começando. Já aviso desde o início que o resultado final funciona, mas não é nada comparável ao adquirir baterias novas com as especificações adequadas ao seu projeto, baterias de notebook não possuem as características suficientes para um desempenho considerável em e-skates.
A ideia geral que vou apresentar aqui vai desde a coleta das baterias descartadas até a montagem do pack do meu primeiro e-skate.
1. Coleta das Baterias
Comecei a coletar baterias ainda em 2017, não tinha longboard, nem VESC, nem motor, nem projeto, eu não tinha nada, só a vontade de coletar as baterias e ver se realmente algumas células ainda estavam “vivas”. Eu passava em todas as lojas especializadas em manutenção de computadores da cidade pedindo as baterias que iam para “lixo”, muitos me questionavam o motivo e eu sempre explicava que iria tentar abri-las e reutilizar as células boas.
Pois bem, coletei muito “lixo”
2. Abrindo as baterias
A ideia básica dessa prática é tentar encontrar células dentro dessas baterias que ainda estejam boas para o uso, essas são compostas na maioria das vezes por cerca de 6 células de li-ion 18650 e um mini BMS. O motivo do descarte é que muitas vezes em caso de algumas das células darem defeito a placa de circuito protege todo o pack simplesmente parando de funcionar, ou seja, por conta de alguma(s) célula(s) todo o pack acaba sendo descartado. E quem tem uma bateria de notebook danificada simplesmente troca, não tenta consertar.
Uma pesquisa rápida no youtube vai mostrar que existem muitos vídeos que ensinam como reaproveitar baterias de notebook usadas, essa é uma prática comum não só apenas para baterias de notebook mas também para baterias de lítio encontradas em outros equipamentos. Normalmente muitos fazem isso para utilizarem nos power walls, que não demandam tanta corrente pois muitas células são associadas em paralelo. Os projetos de skate elétricos necessitam muita corrente de descarga e as células 18650 encontradas nessas baterias de notebook não são ideais para isso.
Para abrir essas baterias nada como um pouco força e “técnica” para resolver.
Dentro dessas baterias encontram-se uma placa de BMS e em alguns casos (interessantes casos) sensores de temperatura que trabalham em conjunto com a placa para proteger a bateria.
3. Exemplo de uma das células encontradas (SAMSUNG ICR18650 - 22F)
Reforçando mais uma vez a ideia de que o reaproveitamento dessas baterias é um aprendizado importante, mas não suficiente para projetos de mobilidade elétrica, podemos analisar como exemplo o datasheet de um dos tipos de células que encontramos nesses packs. No caso vamos analisar o modelo SAMSUNG ICR18650 - 22F.
O datasheet nos mostra que a corrente máxima de descarga de uma célula dessa NOVA é capaz de descarregar 4,4 A no MÁXIMO!! Portanto em um pack 10S3P por exemplo contendo apenas células NOVAS da SAMSUNG ICR18650 - 22F seria capaz apenas de descarregar no máximo 13,2 A. E sabemos que em projetos consideráveis de e-skates ou bicicletas elétricas, essa é uma corrente máxima baixa para os padrões dignos (aqueles que sobem a ladeira).
Observação: Eu digo sempre NOVAS pois estas baterias perdem suas características originais de fábrica conforme o tempo e uso, e as células que estamos trabalhando aqui, como não sabemos a procedência, o tempo e forma de uso, temos zero garantia de funcionarem com essa descarga máxima nominal de fábrica, se funcionarem.
4. Separando as células
Depois de abrir e retirar as células do pacote, é necessário retirar as soldas e deconectar as células do BMS. Quase sempre os packs estão muito bem soldados, mesmo assim não é nada complicado separar as baterias, o problema é que a solda é muitas vezes forte e normalmente sobram resíduos da fita de nickel por conta da força da solda.
5. Teste e seleção das melhores células
Após todo o trabalho de retirada das baterias 18650, vem a parte mais importante desta prática que é testar propriamente as células e selecionar as que ainda estão “boas” para serem utilizadas.
Essa é uma parte onde os critérios de seleção vão variar para cada um, caso você exija uma qualidade mais alta para considerar uma célula “OK”, os critérios serão maiores e assim por diante.
No meu caso, eu não fui muito criterioso pois sabia que a taxa de conversão do reaproveitamento no final seria baixa e queria tentar aproveitar ao máximo o que eu tinha coletado. Portanto para a montagem de um pack 10S3P (30 células) eu criei os seguintes critérios:
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Tensão inicial da célula maior que 2,7 V
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Manutenção da tensão carregada (4,2 V) após 30 dias menor que 0,2 V (ou seja, 4,0 V)
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Capacidade maior que 1500 mAh (eu sei, é pouco, mas é o que tem)
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Resistência interna indiferente (não confio no meu testador Liitokala para essa medida e em geral as resistências desviavam somente +/- 50 mOhm)
Infelizmente não tenho tantas fotos dos testes, mas o procedimento para analisar os critérios que defini foi o seguinte
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Medir a tensão de todas as células encontradas e excluir aquelas com tensão menor que 2,7 V
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As que sobraram carregá-las totalmente (4,2 V) e aguardar 30 dias para a nova medição. Em alguns casos esperei até mais de um ano (abandonei meu projeto mas voltei após um intercâmbio que fiz).
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Nova medição, agora selecionando apenas as baterias que mantiveram a carga acima dos 4,0 V.
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Teste de capacidade no tester LiitoKala lii-500, excelente dispositivo que tenho até hoje. Essa é também uma etapa lenta e que exige paciência, principalmente porque os testes realizados em descargas de 0,5 A demoram cerca de 8 horas por célula.
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Anotação das capacidades em cada bateria.
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Novo teste de manutenção da carga, carregando e aguardando novamente mais 15 dias para medir a nova tensão (que deve ser maior que 4,0 V).
Essa foto não é minha, mas serve para ilustrar o procedimento de testes no LiitoKala lii-500
Esse na foto sou eu ,ainda em 2017, testando células, feliz pensando que todas iriam estar em boas condições. Agradeço ao meu amigo e roomate Igor Proença pela foto
6. Resultados e montagem do meu primeiro pack
Os resultados que obtive foram consideravelmente bons ao meu ver, levando-se em consideração os meus critérios baixos na seleção das células. Consegui reaproveitar cerca de 20% das células que seriam descartadas. Consegui reunir 30 células “OK” a partir de 150 células testadas mais ou menos, em números de baterias de notebook isso seria o equivalente a 25 baterias do “lixo”.
Todos esses valores são bem aproximados, os únicos dados que consegui encontrar no meu computador foram os das capacidades (em mAh) que balanciei para primeiro pack. São no total 30 células, com uma média de 1830 mAh, sendo a mais baixa de 1508 mAh e a mais alta 2206 mAh.
Eu não vou entrar muito em detalhes da montagem do pack neste tópico, primeiro porque as minhas técnicas de montagem ainda são muito precárias e ainda tenho que melhorar muito nisso. E segundo que o foco do tópico não é esse, vão existir tópicos específicos para a montagem de packs aqui no fórum.
Mesmo assim, de maneira resumida, seguem algumas fotos do meu primeiro pack com BMS e sem bypass, e do segundo pack que montei, um pouco “melhor” dessa vez.
7.Perigos e segurança
Reforço aqui os perigos envolvidos nessa prática.
Começando pelo cuidado ao abrir as caixas de plástico protetoras das baterias de notebook. Elas são muito bem vedadas e tentar abrir sem o uso de equipamentos adequados, como luvas e alicates de corte, pode causar possíveis cortes na mão.
Em segundo lugar, abrindo essas baterias você está se expondo à possíveis materiais e gases tóxicos. Muitas vezes as células são de má qualidade, estão enferrujadas ou mesmo danificadas ao ponto de ser possível abri-las e desenrolar os materiais internos.
E estes são apenas alguns dos perigos que eu enfrentei, existem muitos outros como por exemplo células em curto ou mesmo, em raros casos, células de Lipo expandidas.
Seguem algumas fotos das células problemáticas que encontrei no meio do meu caminho.
8. Conclusões finais
Apesar do processo ser longo e demorado, eu aprendi muito com tudo isso e recomendo iniciantes a repetirem essa prática apenas quando o principal intuito for o aprendizado. Não vale tanto a pena o tempo e dinheiro para montagem de um pack bom a partir dessas baterias. Além de ganhar muita paciência, aprende-se bastante testando cerca de 200 baterias e selecionando apenas 30. É importante pensar que parte de algo que seria descartado como lixo, muitas vezes em descarte “normal”, está sendo reaproveitado. Lembrando que todos os resíduos dessa experiência foram adequadamente descartados ao final.
Em suma, não aconselho a prática do reaproveitamento de baterias com o objetivo de montar um pack para seu e-skate ou bicicleta elétrica pois os materiais que estão sendo utilizados aqui não possuem garantia alguma, não sabe-se nunca a procedência, quem utilizou e como utilizou e muitas vezes foram descartados por conta de que realmente não funcionam mais, mesmo que aprovado após todos os testes realizados. Portanto, não é seguro para você ou sua familia manter um pack desses dentro de casa, tome muito cuidado se for repetir isso. Além disso a performance esperada do meu pack finalizado foi apenas satisfatóriam para o meu propósito.
Do mais queria agradecer a todos os meus amigos do Esk8 Brasil que me motivaram a seguir em frente, mesmo sempre me alertando dos perigos dessa prática. E dizer que estou mais do que aberto à discussões e críticas em relação à essa e outras experiências.
Quero motivar os mais experientes a fazerem o mesmo e compartilhar suas experiências conosco aqui no fórum!! Essa comunidade foi criada para isso e por isso conto com a participação de todos vocês!!
Grande Abraço!!
Viva a mobilidade elétrica no Brasil!!